Capitão do Bragantino, zagueiro da seleção olímpica de 2000 e hexa brasileiro no Fla diz que venceu depressão e projeta aposentadoria para 2017
Álvaro tem anotado ideias táticas para o futuro
como treinador
Quem vê Álvaro esbanjando vigor físico aos 35 anos e com a braçadeira
de capitão do Bragantino na disputa da Série B do Brasileirão nem
imagina a batalha que o zagueiro da seleção brasileira
olímpica de 2000 teve de enfrentar há três anos. Seis meses após dar a
volta olímpica como campeão brasileiro pelo Flamengo em 2009, o jogador
deixava a Gávea pela porta dos fundos. Afundado no alcoolismo e prestes a
encerrar a carreira em um quadro de depressão, Álvaro chegou a pensar
em se atirar de alguma cobertura dos prédios que frequentava. Não o fez.
Diante do adversário mais trabalhoso que qualquer atacante que cruzou
seu caminho, decidiu encarar um tratamento, buscou forças na religião,
constituiu nova família e, três anos depois, comemora a mudança de
vida. Mais. Usou o período fora dos gramados para fazer um curso de
técnico, profissão que deseja seguir daqui a quatro anos, quando pretende pendurar as chuteiras.como treinador
- O alcoolismo é um leãozinho que está dentro de você, solto. Você o prende dentro de uma jaula. Se você der uma brecha, ele sai de novo. Você nunca vai deixar de ser alcoólatra. Isso está em mim, mas hoje está controlado - disse Álvaro.
O atleta lembrou o início de carreira no São Paulo de Telê Santana, a passagem de oito anos pelo futebol espanhol (de onde surgiu seu vício no álcool) e as Olimpíadas de Sydney, a maior frustração de sua vida no esporte. Até hoje, o zagueiro nunca assistiu ao jogo da eliminação diante de Camarões.
Veja a seguir.
Álvaro atuou em todos os jogos do Braga na Série B até a 16ª rodada C.A. Bragantino)
'Respeito' no Tricolor PaulistaNascido em Nilópolis (RJ), Álvaro foi revelado pelo São Paulo. Fez um teste em 1995 e por lá ficou. Era o Tricolor de Telê Santana. Quando puxa na memória as lembranças daquela época, nada o chama mais atenção do que a diferença dos jogadores da base de 20 anos atrás em relação aos atletas de hoje.
A gente chegava pra treinar e tremia de medo do Telê"
Álvaro
Sem se firmar no time do Morumbi, Álvaro foi emprestado ao América-MG em 1998, onde disputou o Brasilerão daquele ano. Não foi uma jornada feliz. Por um ponto, o Coelho acabou rebaixado para a Série B. Mas foi lá que o então zagueiro conheceu o técnico Hélio dos Anjos, seu amigo até hoje. Foi o mesmo treinador que o levou para o Goiás no ano seguinte, temporada que projetou o defensor no cenário nacional. Lá foi campeão da Série B, estadual e chegou à seleção brasileira olímpica.
Pesadelo em Sydney
- A grande amargura do futebol que tenho até hoje é desse jogo. Não consigo vê-lo. Jamais consegui colocar o video para assistir. Machuca, dói mesmo. Aquilo ficou marcado. Se você não ganha, fica marcado como perdedor. É inevitável.
A vida na Europa
Mas, nas Olimpíadas, Álvaro acabou se apresentando para o mundo. Desembarcou no meio de 2000 no Las Palmas, da Espanha, vendido pelo São Paulo. Um problema no passaporte o suspendeu da Liga Espanhola por seis meses. Com isso, foi emprestado ao Atlético-MG por uma temporada, em 2001, antes de retornar ao clube que o havia comprado.
Um ano que tive de proposta do Lokomotiv equivaleria aos oito anos que joguei na Espanha"
Álvaro
- Tive para ir para Barcelona e Real nos três anos que estive no Zaragoza. Deixei muitas propostas de lado para jogar nesses times. Hoje, penso em coisas que deixei de ganhar do futebol da Arábia, da Rússia, e me arrependo. Hoje você pensa na família. Poderia ter feito da minha vida, em termos financeiros, 20 vezes mais do que fiz jogando na Espanha. Um ano que tive de proposta do Lokomotiv de Moscou equivaleria aos oito anos que joguei na Espanha.
O vício
Com histórico de alcoolismo na família por parte do pai, que faleceu há pouco mais de dois anos vítima de cirrose e pancreatite, Álvaro viu o vício despertar na Espanha com uma atitude até então inofensiva. O hábito espanhol de tomar uma taça de vinho nas refeições foi a faísca que faltava para o jogador ver a dependência tomar conta de si. A taça foi substituída por taças, que viraram uma garrafa, depois duas, três.
Álvaro viveu momento difícil no Internacional
- Saí do Brasil sem problemas, não bebia. Experimentei (álcool) como
outros jovens, mas nada demais. Na Espanha, comecei a perceber que não
era mais só uma taça de vinho. Depois vieram outras bebidas. Muita
cerveja, uísque, e aí começou a piorar. Mesmo assim, por ser muito forte
fisicamente, passava noites bebendo, e, no outro dia, treinava mais que
os demais, jogava sem problemas.Quando percebeu que estava fora de controle, Álvaro decidiu voltar ao Brasil. A proximidade com parentes e amigos seria um recomeço na vida fora dos gramados. Transferiu-se para o Internacional de Porto Alegre em 2008. Mas o plano ficou só na teoria. Como não era de sair para beber em grupo, o vício do zagueiro conseguia ser mantido em sigilo. Ou quase isso. Após ter treinado sob o efeito do álcool, não demorou para que o problema fosse detectado pela cúpula colorada.
- Chegava a vários treinamentos alcoolizado. Saía do treino e já voltava a beber. Poderia estar no Inter até hoje, tranquilamente. Mas esse era um problema que tinha. Conversei com o presidente (Vitorio Piffero), ele já não estava satisfeito. Pedi para rescindir o contrato.
O zagueiro deixou o Inter em agosto de 2008.
No Fla, Álvaro viveu o ápice e a queda em meses
No mesmo mês, aceitou uma proposta do Flamengo. Novamente, poderia pôr
em prática o plano de ficar próximo da família. Mais perto do que nunca.
Mas a campanha que no ano seguinte culminaria no título brasileiro
mascarou a pior fase da sua doença. Se dentro de campo Álvaro viveu o
estrelato, ganhando música da torcida e até engatando romance com a
cantora Perlla, meses após levantar o troféu, ele teve pela frente uma
forte depressão.- Fui para ao Flamengo, para casa. Fui campeão, tinha música: 'O Álvaro é mau, pega um pega geral.' Mas foi ali que me afundei de cabeça no álcool. Em 2010, cheguei a passar três dias bebendo direto. E o problema é que, quando o álcool sai da mente, fica no sangue. Dava aquela sensação de depressão. Não podia subir numa cobertura que dava vontade de me atirar. Foi quando vi que estava doente.
Muitas vitórias ainda virão na minha vida"
Álvaro
- Fui campeão da Copa do Rei, Supercopa da Espanha, Brasileiro, Paulista, Goiano, de muitas coisas, mas a maior vitória da minha vida foi essa. Nada irá se comparar ao fato de ter reconhecido essa enfermidade. Porque é uma doença. É difícil reconhecer. Mas consegui. Muitas vitórias ainda virão na minha vida, mas nenhuma será maior que essa - contou.
Afastado dos gramados, o zagueiro cortou boa parte dos amigos, procurou refúgio nos poucos que estavam dispostos a ajudá-lo, e, algum tempo depois, se apegou na religião. É evangélico, casado com a irmã de seu pastor.
Recomeço
Álvaro no Villa Nova-MG
Foi o futebol que ajudou Álvaro a voltar a retomar a rotina. Em 2011, foi contratado para atuar no Vila Nova-GO, mas ainda era cedo.
O zagueiro jogou pouco. No período longe dos gramados, aproveitou para
fazer o curso de técnico na ABTF (Associação Brasileira de Treinadores
de Futebol). Ali se achou e encontrou um amigo de turma. Era o
ex-zagueiro Bruno Quadros, que, já aposentado, tentava iniciar a
carreira de treinador.Quando Quadros assumiu o comando do Linense para o Paulistão de 2013, convidou o companheiro de curso para ajudá-lo no projeto.
- O Bruno me disse: 'Quero que você seja como um auxiliar. Você me ajuda agora que estou começando, que quando você começar, te ajudo também.' Esse curso foi muito interessante. Se soubesse, teria feito muito antes. Abriu minha mente para entender o que um treinador pensa. Nós jogadores somos muito egoístas. Se tira do time "não presta, não gosta de mim, é traíra". As coisas não são assim - disse.
No Linense, Álvaro voltou a ser o zagueiro que chamava atenção na Espanha. Atuou em 16 das 19 partidas do clube, terminando a primeira fase em nono lugar, a um ponto das quartas de final. Despertou o interesse do Bragantino, que contratou quatro atletas da equipe de Lins para a disputa da Série B. Além de Álvaro, chegaram o goleiro Leandro Santos, o volante Elias e o atacante Dudu.
Álvaro durante treino no Vila Nova. No clube goiano, atuou poucas partidas
Sob o comando de Vagner Benazzi, Álvaro faz uma espécie de estágio de
luxo. Sua intenção é encerrar a carreira aos 39 anos e, até lá, adquirir
o máximo de conhecimento que puder. Nos treinos, o zagueiro fala a todo
momento. Orienta os companheiros, o que o levou a ganhar a braçadeira
de capitão.- Dei a sorte de sair de lá (Linense) e vir para o time em que o Benazzi me falou: "Álvaro, te dou essa liberdade." Claro que não vou mudar o time taticamente. Gravo a palestra que ele dá e faço o possível para que os times cumpram o que foi determinado. Sem atropelar o Benazzi, tento passar minha ideia do que acho do futebol. Estou absorvendo tudo. Dei-me conta que não prestei anteção em nada na minha carreira. Hoje estou colocando coisas no papel, gravando, vendos jogos. São coisas que estou tentando pegar ainda como jogador.
Mas o ritmo do zagueiro ainda está longe do fim. Álvaro atuou em 18 dos 19 jogos do Braga na Série B. Nesta sexta-feira, 6, o atleta entra em campo para defenser o time contra o Joinville, em partida marcada para as 21h50, no estádio Nabi Abi Chedid, pela 20ª rodada da competição. Na 11ª posição da tabela e a cinco pontos do G-4, o defensor, que é artilheiro do Massa Bruta no Nacional com três gols marcados, mantém o otimismo na competição.
- O que quero como atleta é ganhar. Minha ideia é ser campeão, conquistar, levantar troféu. É marcar esses últimos quatro anos com títulos. Se vou voltar a jogar em um time grande, só o tempo e minhas atuações vão dizer. Vivo o dia a dia. Tenho títulos importantes, mas tenho a satisfação de concentrar com os meninos antes dos jogos. Faço disso uma alegria. Tenho alegria em viver - completou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário